Experiência no RPG Maker MV - Relevância do tempo
- Bernardo Slack
- 19 de jan. de 2017
- 10 min de leitura
Organização é vital para o tempo e engana-se quem diz que ser criativo é ser bagunçado. Isso é desculpa de preguiçoso.
Após ter todas as minhas ideias organizadas e a certeza do que quero que o meu jogo (o básico suficiente para ele ser completo), estruturei minha história de forma fria. Tracei o que cada parte do meu enredo deveria compor e desenhei uma tabela, que é muito popular quando falamos de jogos didaticamente, principalmente em jogos com enredo, como RPGs.

Este foi o esqueleto frio que desenhei. Olhando dessa forma pude ver que ele se torna linear, mas é justamente aí que a mágica acontece.
Um jogo, nada mais é do que uma linearidade e a história vem por fora trazendo todas as sensações de experiência que complementam a experiência. Cabe a mim identificar os pontos onde a experiência está condizente com a dificuldade e a diversão.
O fim e a introdução são as últimas etapas do processo junto com a elaboração do título. Não se preocupe com elas agora (não mesmo!). Vamos detalhar quais são as questões com que devemos nos envolver com cada parte desta tabela:
Cidade
A chegada do herói: literalmente; de barco, carro, a pé? Isso é importante para auxiliar na construção lógica do enredo, por exemplo, se o jogo se passa num período antigo e o herói chega de balão numa vila com poucos habitantes, é um grande evento para a população, se chega numa capital dominada pelo rei que é uma potência econômica e ele chega a pé, sujo pelos portões principais, é apenas mais um mendigo que veio sujar seu nome e reputação.
A reação do povo local: é fundamental se você quiser dar uma imersão a sua história sem tornar o seu trabalho mais difícil, nem seu jogo mais pesado. Apenas adicionar poucos textos podem dar ao jogador todo o sentimento de que ele precisa para identificar o que sua presença está causando ao redor.
Tomando os exemplos já citados, no primeiro caso as pessoas que forem abordadas podem apresentar admiração, inveja, alguns ainda podem dizer que é coisa do demônio, enfim, há infinitas possibilidades. No segundo caso também! E isso é o mais legal – sempre haverá ramificações, mas saiba até onde cavar para não perder o caminho central. (Deixe as side quests de lado! – falarei disso mais à frente).
Descoberta do problema: Numa história, não importa se o herói chegou ali por acaso ou não, ele é a pessoa quem vai resolver o problema e isso pode acontecer de diversas maneiras. Por acaso? Alguém vai até ele? Ele vai até o problema?
Vamos aos exemplos: Um herói entra sujo pelo portão principal da capital após uma longa jornada pelos pântanos do sul. Ninguém o dá bola, ele está sujo, fedendo e com uma péssima aparência. Por um acaso ouve um desabafo de um nobre com um soldado sobre uma infestação de ratos próximo aos galpões do porto. O soldado diz ter mais o que fazer e o manda procurar um trabalho. O herói se oferece a cuidar da infestação, mas como o homem desconfia de sua aparência apenas promete um pagamento se ele realmente o fizer.
Eis que vamos para o próximo passo.
O herói recebe “a chave”: As aspas ajudam a generalizarmos o termo. Não necessariamente é uma chave que será entregue, mas é esse momento em que o gatilho está acionado, em nosso caso, a chave foi o homem indicar ao herói todos os passos para a missão, inclusive, dando uma chave para abrir o galpão com os ratos.
Aqui temos diversas ramificações de profundidade como o interesse do comerciante de afastar as pragas de seus produtos, o herói debilitado de receber recompensas que o ajudarão a investir em si para subir de reputação na capital, um governo que ignora seus cidadãos (A imaginação vai longe! – Lembre-se sempre de andar com uns grilhões por perto, ela não pode se perder).
A partida: É agora que o herói da adeus e parte em sua jornada. Nesse momento fazemos a conexão entre o primeiro quadro e o segundo, que vamos abordar agora.
Caverna
A entrada: geralmente é a apresentação do lugar, o herói o reconhece e esboça algum sentimento. São nesses momentos que transmitimos ao jogador camadas de sua personalidade sem forçar a barra.
Num local infestado por ratos podemos expor algum tipo de fobia, alguma repulsa, ou até mesmo interesse. Em cada um dos casos ele estará abrindo brechas. A fobia pode estar atrelada a algum trauma de seu passado, a repulsa pode ser por nojo ou por tê-los tido como rivais durante sua infância pobre ou interesse caso ele seja voltado para a ciência, enfim, são detalhes que, como dissemos, não pesa e faz a diferença. Uma frase aqui pode dizer tudo. “Vocês nunca mais roubaram comida de ninguém!” E está explicado ao jogador sua motivação.
O reconhecimento: geralmente os heróis não conhecem os locais que desbravam, por isso, quando seu herói der os primeiros passos dentro do galpão, dentro da caverna, ele pode ser mais cauteloso, mais exibido, mais medroso.
Novamente, detalhes que vão adicionando as camadas sem superlotar o tempo tanto seu de quem cria, quanto do jogador. Para os casos onde o herói já conhece a caverna que encara, seu olhar terá um novo ponto de vista, isso é, agora ele verá detalhes que nunca tinha observado antes e algumas coisas poderão fazer sentido. Isso é muito bacana em casos onde, no mesmo jogo, o herói é obrigado, no final do jogo, a voltar ao começo para checar uma área que não tinha acesso antes.
Os desafios: bom, eu poderia dizer que nem precisava falar desse tópico, mas ele é justamente a parte mais divertida do seu jogo. Sim, os desafios são os melhores momentos, as experiências mais lembradas e aonde você, desenvolvedor, é mais exigido.
Aqui é onde se percebe o equilíbrio entre dificuldade e possibilidade. É onde se prova que se conhece realmente quem está jogando o jogo. (Eu gosto de testar com minha namorada justamente por ela não ter experiência em jogos, isso me faz ser menos Dark Souls e mais Zelda – isso porque é o que eu quero para o meu jogo. Lembre-se! O desafio é você quem faz, mas você sempre o faz para alguém. Nunca caia na ilusão de que se você sabe desvendá-lo o seu jogador saberá também).
Para caçar os ratos o jogador deve acionar as ratoeiras, porém para conseguir pegá-los ele precisa de uma isca. Eis que o jogador se depara com as seguintes questões: Como pegá-los? Ratoeiras. Como fazê-los irem até elas? Com iscas. Onde achar essas iscas? E é aí que começam os famosos quebra-cabeças. É sempre importante indicar ao jogador o que ele deve fazer e como. O resto ele vai deduzindo (É fundamental deixar o jogador sentir a sensação de que ele desvendou o mistério e não você quem deu tudo pronto). Para isso, basta apenas deixar o herói pensar fragmentos da resolução e o jogador dirá “Claro! Eu sabia!”.
No fim de toda caverna sempre encaramos algo maior do que o que experimentamos antes. Vamos seguir com nosso exemplo para facilitar o entendimento.
Após prender todos os ratos, o herói se depara com uma ratazana gigante, o Rei dos Ratos. Para derrota-lo o herói precisa de usar tudo o que aprendeu nesta caverna. Lembre-se! É fundamental utilizar tudo o que o jogador aprendeu neste ponto, fará com que todo o seu tempo gasto seja recompensado e não haja a sensação de que fez algo em vão. Exemplo, se você faz uma série de armadilhas para pegar ratos e no líder é uma luta “Por que ele não lutou o tempo todo, se era só bater, e dá para bater no chefe, perdi tempo com ratoeiras à toa!” Tiro no pé!
Portanto, para prender a ratazana real, o herói deve prendê-la em uma ratoeira e então bater nela. Porém o grande desafio aqui nesta etapa é que ela consegue se soltar e o herói precisa girar o salão até prendê-la de novo. Após três vezes (Vamos usar o modelo clássico), ele a derrota. Pronto! Você fez o jogador usar tudo o que aprendeu para encarar o principal desafio, o verdadeiro motivo para que ninguém mais o resolvesse. Ninguém sabia como derrotar o Rato Rei. Ele conseguia escapar e o jogador foi capaz de impedir isso.
Detalhe!
Se o jogador precisa de algum equipamento ou arma para desvendar alguma parte do quebra-cabeça, assim como algum tipo de item consumível, é bom oferecer isso em alguma parte da caverna para que ele não fique frustrado por perder tempo ali dentro tendo que buscar isso muito longe. (A não ser que seja essa a intenção de rota e dificuldade).
Esclarecimento!
Bernardo, por que você separa Caverna de Chefão na tabela, mas na hora de explicar juntou tudo em “Desafios”?
Elementar meus caros Watsons, porque aqui eu já quis mostrar a vocês que tudo deve ser ligado dentro do jogo, mas separado na hora de estruturá-lo. Ao pensar numa caverna, você deve saber o que o jogador precisa aprender para encarar o grande final, por isso, não hesite em pensar de trás para frente (Não mesmo!).
Fase Bônus
Vamos conectar o fim de um capítulo com o outro.
Recompensa: O herói derrotou a ratazana e vai levar seu troféu para trocar por sua recompensa. Alguns jogos colocam a cabeça, ou parte do corpo, da besta derrotada, outros apenas indicam que a área está limpa, e em alguns o herói é abordado por seu emissor que o esperava ansiosamente resolver o caso. Independentemente do que você decidir para o seu, é importante deixar claro para o jogador o recebimento da recompensa e (isso é importante para caramba!) ela deve condizer com o nível de dificuldade imposto.
No caso dos ratos, o herói não teve grandes dificuldades, portanto ele ganhou alguns trocados, garrafas de água e um pão. Está mais do que pago para ele que não tinha nada e poderá sobreviver mais algum tempo. Os trocados garantem o dinheiro para uma noite na estalagem e sobram para comprar algum item, ou até mesmo equipamento. Os alimentos garantem mais durabilidade no próximo desafio.
Reputação: O herói começa a construir sua reputação, ou seja, Fulando de Tal o eliminador de pragas. Esse título garante a ele que outros NPCs (Non Playable Characters) o procurem para que ele os ajude. Isso garante ao jogador mais aventuras e mais desafios. Por exemplo, podem ter pragas como esqueletos no cemitério a Goblins nos campos de batata. (Se essa não for a ideia central de sua aventura que pode ser salvar a princesa das garras do império negro que tomou todo o Sul do continente, podem virar side quests, mas... [isso mesmo] não pense nelas agora!)
Se o seu herói esteve na cidade de passagem ele se despede e deixa a sua marca.
Autorreflexão: É importante para construir caráter, motivações e até mesmo conexões entre o jogador e o protagonista. Após cada desafio é legal o herói refletir, ou conversar com seus amigos ou algo espiritual sobre o que encarou, sobre como isso mexeu com ele e sobre como isso o deixou mais perto do seu objetivo principal.
“Destruir aqueles ratos me deu mais confiança para encarar os Orcs negros do império!”, “Mas ainda não sou forte o suficiente para derrota-los, preciso <adicione aqui o centro de sua próxima “cidade” | exemplo: ganhar força ou conhecer alguém que também tenha motivos para lutar contra eles>”.
E novamente acontece o ciclo desenhado na tabela, com novos porquês, desafios e resultados. O jogador sente que está ainda mais preparado.
Fundamental!
Guarde com muito carinho todos os desafios encarados em cada caverna e os façam serem revividos na caverna final.
O jogador precisa se lembrar de tudo o que passou e isso o dá, intrinsecamente, alegria por estar ali. Ele relembra contente de tudo aquilo e ao mesmo tempo se prepara para a batalha final. Nesse momento não são infinitas hordas de macacos servos voadores que irão deixa-lo empolgado, são as lembranças de tudo o que viveu até ali. Ao encarar o líder final, após todas as etapas, o herói se depara com a sua motivação. Ele sequestrou a princesa porque era apaixonado por ela. Queria sua mão em casamento para ter o poder de todo o continente, mas o herói também a ama, e não quer o seu título de nobreza. Ela sente repulsa por aquele amor doentio e se apega a sua única possibilidade de fugir, o Orc Rei ser derrotado. O herói sente que seu grande amor o está notando e, mais do que isso, está ao seu lado nesta luta. (Em termos de história e dramatização, é sempre interessante fazer com que o herói perca algo de muita importância perto da hora de encarar a caverna final e, na luta final, ele precisa encarar a própria morte e algo vem do seu máximo interior para impedir que ele desista ou seja derrotado) Em nosso caso, o castelo está cercado em chamas e uma parte do teto derrubou o herói perto dele derrotar o inimigo. O Orc aproveitou-se para levantar e tomar a princesa em seus braços. Percebendo que ela não o quer e se prepara para “Se você não quer ser minha, não será de mais ninguém!” e o herói então desperta uma fúria interior que o permite levantar-se em meio aos escombros e encarar a versão final de ódio de seu inimigo. Ambos estão em seu máximo poder e essa será a luta mais épica de sua jornada.
Agora é a hora de decidir o começo e o fim de sua história. O título vem a seguir.
Sabendo exatamente como é o final, podemos criar um prólogo com a princesa sendo raptada, o herói vendo seu grande amor escapar nos braços do vilão. Ao mesmo tempo ele percebe que sua família vive na miséria, explorada pelos aumentos dos impostos para investimento em sua recuperação e no mantimento de recursos para a guerra. Ele quer dar um fim a tudo isso.
O fim se resume ao herói derrotar o exército inimigo, restaurando a paz e reequilibrando todos os recursos da nação, que volta a prosperar garantindo um sustento saudável para sua família e todos os mais humildes com quem ele conviveu.
A princesa por sua vez, descobre nele o seu verdadeiro amor, o herói realiza seu sonho de estar ao nível da alta nobreza da maneira que sempre imaginou, diferenciando-o do vilão, passando moralidade ao jogador e encerrando positivamente todos os esforços dedicados durante o jogo.
Conclusão (Ufa! ツ )
Tudo bem, os exemplos que criei podem não ter tanta profundidade, ou não serem parecidos com o que vocês imaginam para seus jogos. A ideia era apenas mostrar o quão simples esse processo pode ser e quanto mais você o praticar, mais rápido será fazer um jogo que aos poucos terão mais e mais camadas (Sim, sim... e side quests).
Continue acompanhando nosso diário de experiência nesta louca aventura que é produzir um jogo zero, leia mais aqui.

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